domingo, 27 de outubro de 2019

UMA CARTA DE ANIVERSÁRIO PARA O LULA

Em abril, ou seja,bem antes do aniversário  do Lula, meio  ano antes,Camilo,  filho de meu amigo Paulo  Vannuchi,me pediu  uma carta  dirigida  ao Lula,  para um site que ele estava fazendo.
O conteúdo do site,aliás muito interessante,era exatamente  esse: cartas para o Lula.
Hoje,27 de Outubro, aniversário  do Lula,repito  aqui a carta.
Não precisei atualizar : cada palavra minha  continua valendo,  só  que com muito mais ímpeto.

Rio de Janeiro, 20 de abril de 2019

Lula, meu bom amigo:

Estou há  tempos para escrever. Um ano, para ser preciso. Mas só  agora consigo. Você  vai perguntar como é  que alguém  que vive do que escreve  há  exatos 54 nos demora mais de um para escrever uma carta.
Respondo: às vezes, a mão  seca.

Cada vez que comecei a escrever para você o que acabava saindo era pura indignação. E  eu não  queria nem quero  mandar  para você  uma carta irada, por  mais justa que seja  - e é -essa minha indignação.
Hoje, sábado  de aleluia,  vamos ver se consigo.
Indignado sempre, pelo que fazem com você  e com o País.  Porém,  serrado.
Não  preciso contar  o que acontece aqui - me refiro  a aqui fora- porque  você  contínua  absolutamente informado  de tudo.
Mas conto que nunca,Lula,em nenhum momento, achei que fosse chegar a esta altura da minha vida vendo o que fizeram  e fazem com esse pobre País.

Eu vivi de perto, Lula, golpes tremendos.  Vi o Uruguai  ruir em Junho de 1973, vi o Chile desmoronar em Setembro de 1973,lembro de Salvador Allende, vi o terror se instalar na Argentina  em março  de 1976.

Tive amigos mortos,  tive e tenho amigos que sobreviveram a torturas selvagens,  a exilios dolorosos,a distâncias  e tempos irrecuperáveis.

Eu mesmo passei  longos anos  sem poder  vir ao Brasil. Vi meu filho aprender a ficar em pé  e a andar e a falar  e a escrever  longe do país dele.

Vivi e vi um monte de coisas  mundo afora, Lula. E achei que isso tudo era passado,era memória.

E agora vejo  e vivo o resultado  de um golpe diferente. Um golpe  sofisticado,perfeito : primeiro tiram uma presidenta eleita,depois  prendem você, impedem  que dispute  uma eleição  assegurada,e pronto.

Não  tanques nas ruas,  não  há  trabalhadores  e estudantes  sendo  torturados  e fuzilados  (exceto,claro,quando são  pobres e em sua maioria negros ), os grandes  meios  de comunicação  funcionam sem policiais censores nas redações  (nem precisa: os patrões  e os chefes  nomeados a dedo bastam), e tudo  parece normal.

Parece , Lula.

Mas  você,  melhor que qualquer um, e eu sabemos  que de normal  Não  há  nada neste país  destroçado, à deriva,rumo a um naufrágio tenebroso.

Será  este nosso país  um pais sem memória?
Espero que não, meu bom amigo. Espero  que não,  e que desperte  rápido  desse pesadelo.

Além  da dor e da indignação  por tudo  que acontece,Lula, ando cheio de perguntas. Por exemplo: como é  que puderam votar nessa aberração  que todo Santo dia  deposita o traseiro na poltrona presidencial?

Como Dr que essa aberração  nomeou esse ministério  todo -do qual,aliás,  não  escapa ninguém  - que assombra o país  e o mundo?

Como é  que este pais  suporta  o pior presidente  e o governo  mais bizzarro (tirando, claro,  os anos da ditadura, e ainda assim só  por causa  da violência  e da repressão ) de 130 anos da República?

Como é  que vão  demolindo tudo,dia sim e  o outro também,  e ninguém  move uma palha para impedir?

Olha só,  Lula, olha só : achei que estava  sereno  e que escreveria sem indignação.  É não  consegui.

Melhor parar  por aqui,  mas  não  sem antes reforçar  minha amizade  e meu carinho por você,pela sua gente.

Pensei  em sair do Brasil  por um tempo,  Lula.

A razão?  Conto : em 1977 conheci, no exílio  em Madri, um grande escritor argentino  chamado Hector Tizon. Ficamos amigos fraternos.

Certo dia de extrema  melancolia,  perguntei a ele por que havia saído da Argentina. Não estava  em nenhuma  organização  de esquerda,  não  tinha vínculos  com nenhum  movimento, não  tinha sido  ameaçado.

E ele me respondeu: " Sai por asco". Asco pelo que faziam no país  dele, Lula. E por essa razão  - asco, nojo - pensei  em sair do Brasil  por um tempo.

Mas não vou. De novo , não.

Vou ficar e resistir  com a única  arma que tenho, a palavra.

E  assim espero  que a justiça seja feita e você  volte para casa, e a gente possa enfim se encontrar de novo e pôr  a conversa em dia.

Há  muito o que conversar, Lula, muito. E ando precisando.

Deixo aqui, como sempre,  meu melhor abraço.

Eric Nepomuceno

Pensem nisso enquanto eu vos digo até  amanhã.

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