sexta-feira, 30 de setembro de 2016

LAVA JATO E O ESTADO POLICIAL




em 27/09/2016 • 11h45
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Mais do que se preocupar com possíveis excessos da operação Lava-Jato, o que realmente inquieta o juiz e presidente da AJD (Associação dos Juízes para a Democracia), André Augusto Salvador Bezerra, é o fortalecimento, em curso no Brasil, da cultura e da ideologia da punição. Para ele, a operação Lava-Jato é apenas um símbolo dessa crescente ideologia de fortalecer o Estado policial e o Estado punitivo em detrimento das liberdades individuais.
“A Lava-Jato está provocando um endurecimento da jurisprudência como um todo, o que implica um aumento do Estado policial, do Estado repressor, do Estado que pune. Há um crescimento em curso do Estado policial no Brasil. Não deveria ser assim, porque a Constituição impõe limites bastante rigorosos ao Estado − ao poder de punir o Estado. Fato é que a operação Lava-Jato está dando uma força enorme para grupos políticos que acreditam no crescimento do Estado policial”, analisa.
Para Bezerra, essa ideologia punitiva pode ser vista nas escolas de Direito (“onde os estudantes não conhecem os tratados internacionais de direitos humanos, mas conhecem de cor o Código Penal”), nas prisões brasileiras (“temos a quarta maior população carcerária do mundo”), nas ações do STF (Supremo Tribunal Federal) – que recentemente mudou a sua jurisprudência e passou a permitir prisões após julgamentos em segunda instância – e também nas “10 medidas contra a corrupção”, propostas pelo Ministério Público Federal.
Medidas contrárias à corrupção, na avaliação de Bezerra, deveriam focar na transparência e no controle do Estado. “Quer fazer medidas contra a corrupção? Vamos fazer uma discussão de como é feita a nomeação do chefe dos Ministérios Públicos de todos os Estados brasileiros, do tanto que o governador do Estado, que é fiscalizado pelo MP, tem o poder de nomear esse Ministério Público.”
Nesta exclusiva à Calle2, concedida no seu gabinete na última quinta-feira (27), Bezerra analisa a situação do Judiciário no país e alerta: o endurecimento da jurisprudência pode terminar por ter como efeito máximo o fim das liberdades democráticas.
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O juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra o Lula. E a denúncia tem provas consideradas fracas por alguns. É possível aceitar uma denúncia com poucas provas?
Para eu dizer se a denúncia é fraca ou não eu teria que olhar as provas. O que posso falar em tese: o que é uma denúncia e o que se exige de um juiz para receber uma denúncia? Uma denúncia é uma peça em que o promotor de Justiça ou o procurador da República acusa uma pessoa de determinado crime e pede que essa pessoa seja processada criminalmente. O recebimento de uma denúncia não exige uma prova definitiva contra o acusado, essa prova vai ser produzida no processo conforme o contraditório. Mas o recebimento exige um mínimo de prova. E porque se exige um mínimo de prova? Porque existe um constrangimento de qualquer pessoa em ser processada criminalmente. Quando um procurador da República denuncia alguém sem o mínimo de provas, o juiz rejeita a denúncia. Essa é a função do juiz. Quando esse mínimo de provas existe, aí você pode receber a denúncia.
É possível condenar sem provas?
É um dever de qualquer juiz condenar apenas com provas.
Com prova material? Ou delação pode ser prova?
Delação não é prova condenatória – porque não dá para condenar com base nas palavras de outra pessoa. A lógica da delação é dar caminho para a polícia investigar. Até porque um réu tem direito de mentir, porque você não pode se auto-acusar. Uma testemunha não pode mentir, mas um réu pode.
O senhor considera que há excessos na Lava-Jato?
Essa é a minha preocupação com relação à Lava-Jato. Em nome de um suposto combate à corrupção você pode criar precedentes bastante duros. E esses precedentes não vão ser aplicados necessariamente para o chamado réu de colarinho branco. Esse endurecimento da jurisprudência como um todo implica um aumento do Estado policial, o Estado repressor, o Estado que pune. E há um crescimento em curso do Estado policial no Brasil, contraditoriamente após a Constituição de 88. Não deveria ser assim, porque a Constituição impõe limites bastante rigorosos ao Estado, ao poder de punir o Estado. Mas foi após a Constituição de 88 que o Brasil alcançou a posição de 4ª maior população carcerária do mundo. E isso decorreu de um endurecimento da jurisprudência. Esse endurecimento da jurisprudência, em uma operação como a Lava-Jato, não vai atingir apenas o dono da empreiteira, vai atingir também o morador da periferia, que é quem, no final das contas, lota o nosso sistema carcerário.
'Esse endurecimento da jurisprudência implica um aumento do Estado policial, o Estado repressor, o Estado que pune. Há um crescimento em curso do Estado policial no Brasil. Não deveria ser assim, porque a Constituição impõe limites bastante rigorosos ao Estado, ao poder de punir o Estado.'
‌Consegue me dar um exemplo do endurecimento da jurisprudência pela Lava-Jato?
Tornar regra a prisão preventiva, por exemplo. Num sistema que consagra a presunção de inocência, a prisão preventiva deveria ser excepcional, não regra. Não me lembro exato o número, mas entre 30% e 40% das pessoas presas no Brasil não foram condenadas. Essa 4ª maior população carcerária do mundo já é formada por prisões provisórias, ou seja, de pessoas não condenadas. Outro exemplo: O STF (Supremo Tribunal Federal) relativizou essa presunção de inocência ao dizer que o julgado em segunda instância já autoriza a prisão de alguém.
E quem se prejudica com isso? Quem lota o sistema carcerário. Você está legitimando essas práticas repressivas do Estado. E mais do que isso: podemos falar em termos de mentalidade, de consciência, do que molda as nossas práticas, de cultura, de cultura de punição, de crença no sistema penal. O sistema penal é um sistema por essência seletivo, ele nunca vai pegar todo mundo. E não dá para pegar todo mundo. Como não dá para pegar todo mundo, ele vai selecionar. E ele seleciona o sujeito que está excluído da sociedade de consumo, ou eventualmente, pode também selecionar o grupo político que deixa de ser útil a ele.
'O sistema penal é um sistema por essência seletivo, ele nunca vai pegar todo mundo. Como não dá para pegar todo mundo, ele vai selecionar. E ele seleciona o sujeito que está excluído da sociedade de consumo, ou eventualmente, pode também selecionar o grupo político que deixa de ser útil a ele.'
Ouvi uma entrevista de um professor de ciência política dizendo que há uma criminalização da política promovida pelo Judiciário. O senhor concorda?
Eu não sei se há efetivamente, mas há um potencial de criminalizar a política. Você pode querer resolver o inimigo político tratando-o como caso de polícia. E se você criminaliza a política, o sistema penal vai ser seletivo por essência, então você vai afastar seletivamente determinados grupos.
Quais seriam os efeitos disso?
No limite, o fim da democracia. A democracia é um sistema que tem inúmeras formas de defini-la, mas eu vejo dois pressupostos mínimos para uma democracia: liberdades públicas − liberdade de locomoção, de expressão, Estado policial limitado… E, em segundo lugar, eleições livres, ou relativamente livres, já que infelizmente o financiamento de campanhas não permite o sistema ideal. A partir do momento em que você faz crescer o Estado policial, você ultrapassa aquele Estado limitado, você começa a mitigar liberdades públicas – a presunção de inocência é uma liberdade pública – e agora até mesmo as eleições. Porque você vai começar a atingir determinados grupos políticos, pessoas que têm seu eleitorado e que gostariam de disputar eleições.
Nos últimos anos o senhor viu prisões preventivas que fogem dos preceitos constitucionais?
Prefiro não falar de casos específicos, porque eu teria que ver as provas. Mas a sociedade festejar prisões preventivas não é legal. Isso implica em consequências duras para todos nós.
Acho que é meio consensual entre alguns juristas de que há abusos por parte do juiz Sérgio Moro. Há também um certo exagero no uso das delações premiadas?
Fica difícil falar de um caso concreto. Mas o fato é que a operação Lava-Jato está dando uma força enorme para grupos políticos que acreditam no crescimento do Estado policial.
'A operação Lava-Jato está dando uma força enorme para grupos políticos que acreditam no crescimento do Estado policial.'
Há uma politização do Judiciário?
Algum grau de política no Judiciário sempre vai existir porque o Judiciário também é uma função de Estado. Quando o Judiciário fala, quem fala é o Estado. É uma típica função estatal. E mais, todo o Direito tem origem política. Se você tem a liberdade de expressão, é porque algumas pessoas na França morreram lutando por isso, é porque pessoas morreram na ditadura do Brasil lutando por isso, então sempre tem esse conteúdo político. O que se tem que tomar muito cuidado é que não se tire a política do seu lugar natural, que é a rua – a rua como um símbolo –, o lugar do debate público. Temos que tomar muito cuidado para que a política não saia da rua e vá para um lugar fechado, que é o tribunal. Aqui não é um lugar de se fazer política, de discutir política.
Neste Brasil polarizado, alguns ministros do Supremo têm dado declarações – algumas polêmicas – à imprensa. Isso é novo no Brasil?
Até então eu desconhecia isso, um ministro da Corte Suprema assim. A gente tinha ministros polêmicos, com opiniões jurídicas divergentes, o que faz parte do Judiciário, faz parte do debate. Eu por exemplo estou falando com você como presidente de uma associação, mas também como juiz. Sempre terei o cuidado de não falar sobre um processo que estou julgando. Isso é um dever ético. Agora, causa espanto que ministros falem, ou que alguém entre com uma medida judicial e que o ministro ironize essa medida. Isso enseja outras discussões, por exemplo, quem controla os ministros do STF?
Eu, como juiz, tenho controle, tenho uma corregedoria e tenho o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Não é um controle ideal, porque não tem participação da sociedade civil, não é algo evidentemente tão democrático quanto deveria ser. Mas quem controla o Supremo? Na prática, temos a possibilidade de impeachment dos ministros do Supremo, mas é uma medida extrema, que pressupõe a demissão do ministro. Essa é a medida. Só. Mas o impeachment acontece sob julgamento de políticos, de senadores.
Não há medidas mais brandas?
Não tem um órgão para fazer isso. Não existe. O CNJ, que em tese é o controle externo do Judiciário, não exerce esse controle sobre o STF. Pelo contrário, o Supremo controla o Conselho Nacional de Justiça. A presidência é deles. Um ato do CNJ pode ser impugnado pelo STF.
É uma falha do sistema?
Sim, acho que é uma falha.
E termina dando muito poder ao Supremo?
Sim, eu sempre digo uma coisa. Critica-se na Lava-Jato a ação de um juiz. O poder de um juiz de primeira instância não é um grande poder. Se há atuações de primeiro grau, normalmente é porque os tribunais [de instâncias superiores] estão referendando. É difícil ficar imputando uma conduta a alguém. Tem que investigar mais profundamente. Isso é casuísta? Não sei, porque existe um endurecimento da jurisprudência. Mas eu digo: essa jurisprudência endurece para aqueles que seletivamente caem dentro do sistema.
Esse endurecimento na sua avaliação não é positivo?
Não, porque cerceia as liberdades individuais. Isso eu afirmo com convicção.
O Judiciário vem tendo demasiado poder, a ponto de comprometer o equilíbrio de poderes?
Se o Judiciário está alcançando poder em demasia, é porque o STF está permitindo. Esse papel de controle, de colocar um freio na atuação de qualquer juiz é da instância superior. O nosso limite é esse. Podemos atuar até aqui. O STF relativizou a presunção de inocência. Do ponto de vista teórico, das leis filosóficas, as leis de liberdade pública, isso é um perigo.
Eu tenho a impressão de que toda essa cautela do Supremo e do CNJ com relação à Lava-Jato vem do fato de que a Lava-Jato, em tese, tem apoio da sociedade. Há um certo receio de se criticar a Lava-Jato. E, querendo ou não, ela tem um grande mérito que é levar empresários milionários para a cadeia. O senhor vê acertos na Lava-Jato?
Depende de caso a caso. Aparentemente, é uma operação válida, em que se descobre o elemento de corrupção e vai pegar os elos para descobrir. Não é segredo para ninguém que corrupção é um problema histórico do Brasil. Agora, o problema é colocá-la como a última esperança política do país. Você está tirando a política daqueles que são eleitos pelo povo para passá-la para o policial que está sempre algemando alguém, para o procurador da República que usa o power point, para um juiz… Isso leva ao fortalecimento da burocracia e ao enfraquecimento da política. E a democracia precisa de política.
'O problema é colocar a Lava-Jato como a última esperança política do país. Você está tirando a política daqueles que são eleitos pelo povo para passá-la para o policial que está sempre algemando alguém.'
O que o senhor quer dizer com fortalecimento da burocracia?
Fortalecimento de juízes, de promotores, de policiais. Pessoas que estão presas nos seus gabinetes, que têm seus deveres funcionais, mas que o seu dever de prestar contas perante a sociedade não é o mesmo e não é tão forte quanto alguém que tem que passar pelo crivo das eleições.
Queria um comentário seu sobre as “10 medidas contra a corrupção”.
Sou absolutamente contrário. Elas tornam relativas as garantias processuais e as liberdades públicas. Dá a entender que a liberdade é um instrumento da impunidade, olha que perigo. Parece que a democracia gera impunidade. Que você está tornando relativos os direitos democráticos, como se em uma ditadura não tivesse muito mais corrupção do que em uma democracia. Quer tomar uma medida contra a corrupção? Implemente dez medidas de transparência no Estado. Implemente medidas de controle do Estado. Vamos fazer uma discussão de como é feita a nomeação do chefe dos Ministérios Públicos de todos os Estados brasileiros, do tanto que o governado do Estado, que é fiscalizado pelo MP, tem o poder de nomear esse Ministério Público. Podemos discutir o orçamento do Judiciário, que no final das contas é controlado pelo governador — aquele que seria controlado pelo Judiciário. Assim, facilitamos a troca de favores. Então, infelizmente, para determinados agentes públicos, não é difícil ser corrupto no Brasil, porque essas pessoas dificilmente serão pegas, descobertas. Porque o sistema de controle é frágil e não tem transparência. A falta de transparência é geral.
Há alguma das medidas que o senhor apoia, dentro das “10 medidas contra a corrupção”?
Nada. O problema da proposta é o conjunto que segue uma lógica. Qual a base dela? É a crença do crescimento do Estado punitivo para resolver um problema histórico nosso que é o problema da corrupção. Ou seja, você diminui a liberdade, a autonomia dos cidadãos, restringe direitos, para resolver um problema que infelizmente no Brasil é muito mais antigo que os direitos dos cidadãos. Porque esses direitos dos cidadãos têm dada – 1988. E o problema da corrupção é muito mais antigo. E combater a corrupção significa dar a consciência aquele que comete o ilícito a efetiva capacidade de ser descoberto. Porque o que se descobre é a exceção da exceção. Ainda. E a Lava-Jato – e nenhuma operação policial até hoje – deixou de tornar isso uma exceção.
Há um tópico que me chama atenção, que é a permissão de provas coletadas de formas ilegais mas com boas intenções.
Desconfio muito da boa intenção, porque o Estado de Direito não vive da boa vontade de ninguém. Isso não existe. Vamos combinar: a burocracia do Estado é formada por milhares de pessoas, tem de tudo. Como já dizia o federalista James Madison, “se os homens fossem anjos, não seria necessário nenhum mecanismo de controle”. Algo assim que ele fala. Como os homens não são anjos, precisamos.
O senhor acha que essas medidas são um sinal claro desse movimento paulatino de fortalecimento do Estado punitivo?
Sim, esse processo foi paulatino. Mas foi sendo visto e denunciado, por várias entidades, entre elas entidades de direitos humanos. Há na verdade em voga uma ideologia punitivista. A prática é reflexo de uma ideologia punitivista, que tem várias origens, que chega à doutrina do lei-ordem norte-americana, à tolerância zero, ao estudo das faculdades de Direito no Brasil, que não priorizam direitos humanos — temos direito penal enquanto não temos direitos humanos. O profissional de Direito não conhece os tratados internacionais de direitos humanos porque ele não aprende na faculdade. Mas ele sabe de cor o código penal. A questão é mais profunda. A Lava-Jato é apenas um símbolo, mas não é o vilão maior desse país, muito longe disso. É uma operação que está inserida nesta ideologia e que tem que ser compreendida dentro dessa ideologia, para além de boa fé ou má fé de alguém.
O senhor acha que essa cultura, essa ideologia, também pode ter vindo em resposta a uma cultura da impunidade, dessa ideia que sempre tivemos que ricos não são punidos?
É o país da impunidade que tem a quarta maior população carcerária do mundo.
Podemos dizer que a punidade é bastante seletiva?
A punição e a punidade são sempre seletivas. É da essência.
O que defendem os juízes para a democracia?
A Associação Juízes para a Democracia surgiu no pós-Constituição brasileira, em 1991, bem percebendo os juízes que a Constituição de 88, embora longe de ser uma obra perfeita, era uma obra interessante, com participação da sociedade, coisa que nunca tinha tido, e que para ela ser efetivada, precisávamos de luta. A luta pelos direitos prosseguia, no pós Constituição. E que o Judiciário também teria uma importância nesse pós-Constituição. A Constituição tem coisas interessantes, a autonomia do Judiciário, a independência dos juízes. É um instrumento democrático. Percebendo isso, a associação inseriu os juízes na luta pelos direitos democráticos, o que por sinal se opõe a uma leitura punitivista dos direitos. Essa é a base da associação. Temos juízes de todo Brasil, é a luta pela Constituição, e enxergando o Judiciário como um importante instrumento para essa Constituição. E ao mesmo tempo, fazer a crítica ao Judiciário, apontando os erros, do ponto de vista estrutural e político. Temos um Judiciário que ainda está regrado e normatizado com normas da ditadura, um Judiciário pouco aberto ao controle da sociedade civil.
Vocês estavam vendo, talvez, essa tendência de aumento da cultura punitiva?
Na luta pelos direitos, não existem vitórias definitivas, nem derrotas definitivas. É uma constante luta."

Pensem nisso  enquanto  eu  vos digo  até amanhã.

FAVRETO, QUE VOTOU CONTRA MORO, REPETE JUIZ DOS EUA QUE REJEITOU APARTHEID, POR GUSTAVO BARBOSA


Jornal GGN -" O desembargado do TRF-4 Rogério Favreto, que apontou os abusos de Sergio Moro na Lava Jato, repetiu um ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos que foi o único a exigir o respeito à Constituição daquele País - que impõe igualdade a todos os cidadãos - para rejeitar uma lei que endossava a divisão social entre brancos e negros no transporte público. É essa a visão do advogado Gustavo Barbosa, que escreveu sobre o assunto para o Justiticando, nesta sexta (30).
"O respeito objetivo a liberdades, direitos e garantias fundamentais deveria se tratar de questão tão indiscutível quanto o fato de não serem moralmente aceitáveis leis que promovem o apartheid entre brancos e negros. Favreto repete Marshall e, ao se dispor a enfrentar o rolo compressor corporativista do poder judiciário, o massacre da mídia corporativa e a sede de sangue da opinião pública, corre o sério risco de, assim como o juiz norte-americano, entrar para a história por ter dito o óbvio", escreveu Barbosa.
Por Gustavo Henrique Freire Barbosa
No Justificando

Em 1892 na Lousiana, Estados Unidos, o mestiço Homer Plessy foi detido por violar a segregacionista lei dos vagões separados que determinava no transporte público locais específicos para brancos e negros. Já no banco dos réus, a décima terceira e a décima quarta emenda da Constituição norte-Americana foram evocadas em sua defesa. Traziam em seu texto a abolição da escravidão e a institucionalização da garantia de que nenhum Estado poderia elaborar ou executar leis restringindo os privilégios ou imunidades dos cidadãos e cidadãs dos Estados Unidos. A décima quarta fixava ainda a impossibilidade de privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade ou bens sem o devido processo legal, além de garantir igual proteção das leis a quem estivesse sob sua jurisdição. Era inaugurada na constituição norte-americana a cláusula da equal protection of the law.
O conteúdo das emendas, embora cristalino, não impediu que a Suprema Corte dos Estados Unidos chancelasse a atmosfera discriminatória da época e decidisse pela constitucionalidade das leis segregacionistas que separavam os assentos usando parâmetros raciais. Como se tratava de um costume que se tornara norma, seu desrespeito, segundo o entendimento da maioria dos membros da corte, traria prejuízos à paz social e à ordem pública.
O julgamento, entretanto, teve o voto dissidente do juiz John Marshall Harlan, que insurgiu-se contra o entendimento dos seus colegas ao atentar para o fato da lei em análise ser hostil tanto ao espírito quanto à letra da Constituição dos Estados Unidos. Na ocasião, entendeu o magistrado que:
“A presente decisão não apenas estimulará a discriminação e a agressão contra os negros como também permitirá que, por meio de normas estatais, sejam neutralizadas as benéficas conquistas aprovadas com as recentes mudanças constitucionais.”
Referia-se expressamente à décima terceira e à décima quarta. Em 1868, no mesmo ano da entrada em vigor desta, o parlamento já criara uma série de leis e atos segregacionistas que ficaram conhecidas como Jim Crow Laws, nome inspirado no personagem racista encarnado por um comediante branco da época
Os efeitos políticos da decisão se deram exatamente na linha das prospecções de Marshall, conferindo condições políticas à legitimação e ao surgimento de mais leis segregacionistas na linha das Jim Crow Laws. A política do “separado mas iguais”, como ficou conhecida, varou o século XX, sendo abolida tão somente em 1954. Do plenário que julgou o caso de Plessy, Marshall é o único nome lembrado. Intrigantemente, por ter dito nada mais que o óbvio.
No último dia 22, o colegiado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao analisar o pedido de abertura de processo disciplinar contra o juiz Sérgio Moro, considerou que a operação “Lava Lato” não precisa seguir as regras processuais comuns, uma vez que estaria enfrentando uma situação inédita. A maioria considerou lícita a conduta de divulgar a conversa entre os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mesmo que ao total arrepio da legislação pertinente.
O desembargador Rogério Favreto, único voto divergente, fez leitura diversa da situação. Considerou em suas fundamentações que é no mínimo negligente o fato de um juiz tornar públicas conversas captadas de pessoas investigadas, ainda mais com prerrogativa de foro. O interesse público e a tentativa de evitar obstrução à justiça, portanto, não seriam razões aptas a permitir esse tipo de comportamento.
Favreto ainda assinalou que “o Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias fundamentais”, de forma que “sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal, evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado sem os mesmos compromissos democráticos”.
Com efeito, concluiu que Moro, juiz de “imparcialidade duvidosa”, agiu com negligência quanto às consequências político-sociais de sua decisão e de maneira contrária não apenas a dispositivos constitucionais e à legislação criminal, mas também ao próprio Estatuto da Magistratura, ao Código de Ética da Magistratura e à Resolução nº 59 do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual “não será permitido ao magistrado e ao servidor fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos contidos em processos ou inquéritos sigilosos”.
A limitação do poder estatal é a primeira e mais fundamental lição extraída das experiências do constitucionalismo liberal do ocidente.  O respeito às regras do jogo, aqui representadas pela legalidade, é a única garantia que temos em desfavor do ímpeto do Estado em agir livre e arbitrariamente, agendado unicamente por suas conveniências. Quando um direito ou uma garantia fundamental é desrespeitada, é toda a sociedade que perde – ainda que, por mais absurdo que isso possa soar, a vítima do arbítrio seja algum desafeto.
O respeito objetivo a liberdades, direitos e garantias fundamentais deveria se tratar de questão tão indiscutível quanto o fato de não serem moralmente aceitáveis leis que promovem o apartheid entre brancos e negros. Favreto repete Marshall e, ao se dispor a enfrentar o rolo compressor corporativista do poder judiciário, o massacre da mídia corporativa e a sede de sangue da opinião pública, corre o sério risco de, assim como o juiz norte-americano, entrar para a história por ter dito o óbvio."
Gustavo Henrique Freire Barbosa é advogado e professor, membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP)
Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.

UMA MENINA DE 9 ANOS CONTRA O RACISMO AMERICANO

Pensem nisso  enquanto  eu  vos  digo  até amanhã.

FMI PEDE O FIM DO MAIS IMPORTANTE INSTRUMENTO DE COMBATE À POBREZA




TEREZA CRUVINEL -  30/09/2016






"O comunicado do FMI emitido nesta quinta-feira, após a primeira visita oficial ao Brasil na fase Temer, recomendou o fim do mais importante instrumento de combate à pobreza e à desigualdade adotado nos governos Lula e Dilma, a política de valorização do salário minimo. De 2003 a 2015, o aumento real do SM foi de 76%, alterou o perfil de consumo e foi o principal fator para redução da pobreza registrada pelo Brasil, segundo a ONU. Como diria Lula em outros tempos, nunca antes neste país o salário mínimo fora tão forte.
No início do segundo mandato de Lula, o governo e as centrais sindicais firmaram o acordo que estabeleceu novas regras para a correção anual do salário mínimo, sepultando a velha prática de corrigi-lo apenas pela inflação (e às vezes nem isso), o que não garantia aumentos reais do seu poder de compra. Desde sua criação pelo presidente Getúlio Vargas, aumentos maiores para o salário mínimo sempre despertaram reações conservadoras, tais como as que derrubaram o ministro do Trabalho de Vargas, João Goulart, quando ele propôs um aumento de 100% em 1954. O acordo negociado por Lula com as centrais resultou na regra pela qual o salário mínimo passou a ser reajustado anualmente com base na variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano retrasado, somada à inflação acumulada do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços do Consumidor (INPC). No governo Dilma, em 2011, o Congresso transformou o acordo que já vinha vigorando na Lei n° 12.382.
Uma forma de aferir o poder de compra do salário mínimo é pelo cálculo de quantas cestas básicas ele pode comprar. Se em 1995 podiam ser compradas 1,02, em 2014 podiam ser compradas 2,21.
Mas o FMI está recomendando não apenas o fim desta política que beneficiou os mais pobres, incrementou o mercado de consumo e a dinâmica da economia. Quer também que seja quebrada a vinculação das aposentadorias e pensões do INSS ao salário mínimo, o que afetará cerca de 25 milhões de brasileiros.
Se o Governo Temer, como o de Macri na Argentina, render-se ao FMI, e aceitar tais recomendações, teremos o mais grave de todos os desmontes sociais que vêm sendo feitos.'"
Pensem nisso enquanto eu  vos  digo  até amanhã.

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