segunda-feira, 26 de julho de 2021

O SKATE E A IRREVERENCIA QUE INCOMODA OS CONSERVADORES: COMO RAISSA LEAL CHEGOU AO TOPO

JOAQUIM DE CARVALHO:
Colunista do 247,foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso(equipe,1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social( revista Imprensa).

Fadinha como é conhecida,superou muitos obstáculos para praticar em nível elevado um esporte que chegou a ser proibido em São Paulo por um prefeito de direita.

26/07/2021

Ia escrever sobre o incêndio da estátua de Borba Gato. Foi uma ação cuidadosamente organizada, com a contratação de um caminhão - baú e a mobilização de cerca de 10 pessoas.
Mas Raissa roubou a cena. E fui procurar conhecer um pouco da sua história e da história do esporte que deu ao Brasil a segunda medalha de prata nas Olimpíadas de Tóquio.
Fadinha, como é conhecida, tem uma trajetória pessoal que lembra a do próprio skate, que se popularizou graças a adolescentes de famílias humildes da Califórnia, EUA, que nos anos 70 desafiavam as autoridades de seus municípios com manobras  radicais em espaços públicos.
Na Noruega, o esporte foi proibido de 1978 e 1989, sob alegação de que colocava em risco a vida de adolescentes.
No Brasil, um político de direita, Jânio Quadros, proibiu o skate no Parque Ibirapuera e depois em toda a cidade. Coube a uma política de esquerda, Luiza Erundina, liberar a prática de esporte na cidade.
Assim, os adolescentes deixaram de apanhar da Guarda Municipal criada por Jânio Quadros  para fazer suas manobras radicais.
Depois disso, foram criadas pistas de skate em São Paulo, seguindo exemplo de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, que já tinha uma pista desde 1976.
Com isso, os skatistas puderam praticar seu esporte com segurança.
Fadinha também superou muitos obstáculos até colocar a medalha de prata em seu peito, no Japão. Ela ganhou o skate de um amigo do pai, em Imperatriz, 
Maranhão, quando tinha 7 anos e demonstrou imediatamente intimidade com a prancha sobre rodas.
Pouco depois, sua mãe postou o vídeo em que ela, vestida de fada, faz a manobra conhecida como " heelflip", depois de algumas tentativas frustradas, em que caía. O skatista mais conhecido do mundo, Toni Hawk, compartilhou o vídeo, mesmo sem conhecê-la.
Mesmo já relativamente conhecida, sua família não tinha dinheiro para levá-la aos campeonatos nacionais de skate. Convidada para ir a Blumenau, Santa Catarina, para participar de uma prova, a mãe só conseguiu dinheiro para o vôo de ida.
Com a ajuda de outros participantes, elas obtiveram recursos para a volta.
Mas de ônibus, em viagem que demorou três dias.
Em 2015, convidada para participar de outra prova em Santa Catarina, mãe e filha recorreram a um crowdfunding, para arrecadar dinheiro contado, para ida e volta. Pediram 3 mil reais, e arrecadaram pouco mais de 4 mil reais.
O sucesso nas provas pelo país e o vídeo compartilhado por Tom Hawk chamaram a atenção da imprensa, e ela acabou o personagem central de uma longa reportagem na TV Globo, na véspera do Dia das Crianças.
Foi quando ela conheceu Letícia Bufoni, uma das estrelas do esporte em nível mundial, também destaque pela irreverencia.
Letícia fez publicidade  de desodorante em que aparecia de salto alto sobre o skate, descendo pelo corrimão, com a mensagem: " Forte o suficiente para homens, mas feio para mulheres".
Ao ver Letícia Bufoni no estúdio de TV, Raissa chorou, e não escondeu que estava diante de seu maior ídolo.
Hoje, Raissa e a família já vivem do esporte - os pais deixaram o trabalho para administrar a carreira dela.
Ainda estáonge de atingir o nível de estabilidade financeira de Letícia, que mora na Califórnia e é muito bem remunerada, graças aos contratos de publicidade e aos cachês que recebe por competição.
No Japão, Raissa superou Letícia, desclassificada nas eliminatórias. E declarou porque se saiu bem :
" Eu tento ao máximo me divertir, porque tenho certeza de que, se divertindo, as coisas fluem naturalmente. Tem de deixar acontecer".
Como não ser fã dessa menina?

Esse artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

OITENTA PESSOAS TRANSEXUAIS MORTAS

Oitenta pessoas transexuais foram mortas no Brasil no 1° semestre deste ano, aponta associação

7 de julho de 2021

BRASIL 247 -  O Brasil teve 80 pessoas  transexuais  mortas no 1° semestre deste ano, segundo  relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais(Antes). 
Uma delas foi a adolescente Keron Ravach, de 13 anos , assassinada a pauladas em janeiro, no Ceará. 
Ela se tornou vítima mais jovem na história do monitoramento , que e feito  pela Antena há 4 anos. Segundo a polícia, ela foi morta por um rapaz de 17 anos. A reportagem é do portal G1.
Em caso recente de violência contra pessoas trans, outro menor de idade é suspeito atear fogo a Roberta da Silva, de 33 anos, no último dia 24, no Recife. Ela está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI)desde então e teve um braço e parte de outro amputados.
" Nunca houve um momento tão vulnerável e violento para pessoas trans como o que estamos vendo agora", diz Bruna Benevides, coautora do levantantamento.
Segundo a reportagem, o relatório da Anitta é feito a partir de reportagens  e relatos de organizações LGBTQIAP+ .
A associação denuncia que não existem dados oficiais e, por isso, entende  que o número de assassinatos entre janeiro e junho deste ano pode ter sido ainda maior.
Desses, 100 foram contabilizados no 1° semestre, número inferior ao do mesmo período de 2021, mas Bruna entende que a comparação não é precisa, uma vez que a pandemia ainda não estava estabelecida no Brasil, no início de 2020.

Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.

quinta-feira, 1 de julho de 2021

DE LÁZARO A JAIR, A DOR DE MAIS DE QUINHENTOS MIL MORTOS

BRASIL 247 
29/06/21
O silêncio que nos aprisiona hoje é o medo de lidar com a dor. Para supera-la,entretanto, precisamos encara-la de frente.
É importante conhecer melhor o que houve  com quem foi acometido  pela forma grave do coronavirus,e consta no número enganoso de "salvos", que minimiza a gravidade da doença e ignora  reincidências comprovadas.
A dor e o sofrimento de vítimas  familiares não pode ser ignorada. Os sobreviventes sofrem diversas sequelas, físicas e psicológicas, sobre as quais pouco se fala - muitas nem  conhecemos direito ainda. Não é apenas fraqueza , perda de paladar e/ou olfato.
Há quem,ao descobrir  que a crise de sinusite se tornou um grave comprometimento dos pulmões, tenha se desesperado com o isolamento no hospital , e com a certeza  de que iria morrer. 
Já os medicamentos usados no atendimento médico podem trazer graves consequências, como fragilizar o coração ou levar  a perda temporária de parte da visão. As sequelas envolvem dor de cabeça crônica,diabetes, fraqueza muscular, perda de mais de vinte quilos, delírios, etc. Acordar da sedação, sobrevivendo  ao vírus, traz o constrangimento de se descobrir cheio de fios, com fraldas e sondas pelo corpo...
E quem não sobrevive ! ? Em grande maioria, também não é citado nos jornais, apenas como parte de um número, de até 4.249 mortes diárias - até agora - em um total de mais de quinhentos mil desde o início da PANDEMIA. Para romper este silêncio faço, a seguir, uma homenagem a todos que partiram, citando algumas dessas pessoas inestimáveis:
Tio Lazinho, Lázaro Gomes de Moraes Neto, 65, um músico nato, aprendeu sozinho  a tocar violão, piano e gaita, para alegrar sua vida e a dos seus. Além disso, transformava sucata em arte, podia criar do nada um móvel único ou, com seu grande  coração, dar um jeito de fazer um novo brinquedo para a criançada,um verdadeiro Papai Noel. 
Dona Adair Benedita da Silva, 61, também gostava  muito de presentear, e doava às visitas mudas das flores do seu jardim, espalhando beleza e delicadeza ao redor. E sabedoria:" quem sabe o que planta ,recebe a colheita, a melhor de todas", dizia.
Dona Acassia, com nome de flor, comemorava a vida dançando. Aos 59 anos com sete netos, apresentando problemas  de artrose, não se negava a uma festa, a cantar e dançar, mesmo que tivesse que ser sentada. Nos intervalos da música, certificava-se que todos se alimentavam bem, e contava histórias de vida.
Seu Abdon,82, tinha mais histórias incríveis para contar, que cuidava de apimentar  com muita graça, gostava de fazer rir. Após anos sem faltar um dia ao trabalho, aposentou-se e criou uma nova rotina de vida: Pouco antes do almoço, colocava os óculos escuros e ia ao barzinho perto de casa tomar duas cervejinhas. Depois da refeição, pegava um palito de dentes na  caixa de sapatos( uma excentricidade sua) e ficava na rede , olhando as árvores dançarem com os pássaros no o céu de azul. Quando parecia estar dormindo , saía subitamente com a frase preferida nessas horas: "  Como Deus é perfeito".
Laura, 22, também sabia apreciar a beleza deste mundão de Deus. Amava os animais e a natureza , e colecionava  pores de sol . Tinha a saúde frágil, embora não parecesse,em decorrência do lúpus. Mas isso não era motivo  para viver com menos paixão ou cuidado pela família. Desfrutava a a alegria das coisas simples da vida, como  sair em passeios com o namorado para tomar açaí e dividir com ele os sonhos de um futuro em comum.
Seu Jair Saboia Dantas, 80, criou uma aventura especial com a neta Thainá, leva-la para tomar açaí escondido. Ia buscar todos os netos na escola , colocava o boné e saia na bicicletinha vermelha para encontrá-los . 
Tinha cinco filhos e nove netos. Gostava de ajudar a todos, a quem ensinava o grande valor de um pão com mortadela e um cafézinho. Viveu cinquenta  e três anos com o amor de sua vida, dona Augusta Machado Dantas, 77, que com muita fé realizou  o sonho de abrir um negócio próprio, a lojinha doces. As deliciosas  guloseimas da Vó Guta eram a alegria dos netos, cujos sonhos cuidava  de adoçar com carinho. Tinha,  porém, um pequeno defeito: esquecia sempre alguma coisa na lista do mercado, o que fazia seu Jair ter que ir e voltar diversas vezes, e os tornava um casal perfeito, pois  quando alguém sugeria a ele que descansasse, retrucava: " se parar,enferruja".
Tio Lazinho, Dona Adair, Dona Acassia , Seu Abdon,Laura, Vó Guta e Seu Jair, como muitos  outros, partiram precipitadamente em 2020, devido a contaminação por coronavirus. Não são números nem personagens,mas pessoas reais* . Cada um deles fazia do mundo um lugar especial para alguém, e por respeito a memória deles  é preciso lembrar que a vida é preciosa e única.
Embora em acidentes aéreos a imprensa trate de retratar o drama de cada um dos passageiros, os mortos pelo coronavirus no Brasil, que deveriam ser diariamente chorado por nós, são invisibilizados, assim como a dor pela sua perda.
Muitas vezes, têm o motivo de sua morte negado por familiares, que julgam parte de alguma ideologia  proibida a admissão do contágio por coronavirus. Ou ainda, como as vítimas de estupro, são considerados os únicos culpados pelo desfecho de suas histórias: um não se cuidou, outra esperou demais para ir ao médico, outro " ousou" brincar com os netos ou " deu uma escapadinha".
Mas como  negar-se o costume de socialização de uma vida inteira, e a alegria de estar  com os entes queridos! ? Talvez uma grande campanha de conscientização promovida pelo Estado pudesse alertar sobre a gravidade da situação atual, nunca vivida antes na humanidade. Isso poderia dar a todos força para aguardar o momento certo de vivenciar novamente encontros familiares. 
Em época de individualismo exacerbado, em que aprendemos que cada um deve cuidar apenas de si, é preciso muita orientação, repetida exclusivamente -  na  internet, nos rádios,tvs, outdoors, alto falantes, etc- , para fazer entender a excepcionalidade da ameaça, que exige a todos cuidar-nos( no plural solidário) para que alguns não se tornem vítimas. Uma campanha fraterna que tivesse convocado a responsabilidade, ao cuidado, ao amor ao próximo, poderia ter mudado o rumo das coisas.
Entretanto, esse esforço não é feito pelas principais autoridades do país, que preferem nos deixar na alienação do ódio individualista, na loteria da morte.
Dos que são obrigados a sair as ruas para buscar a sobrevivência, uns terão sorte, outros não. Poderia ser diferente, se a pandemia não tivesse sido chamada de gripizinha no começo, de forma extremamente irresponsável, ou se as medidas de prevenção ( como o uso de máscara e evitar aglomerações) fossem respeitadas , e não sistematicamente sabotadas por quem  mais deveria  promovê-las. 
Já pensaram se o auxílio emergencial de seiscentos reais (instituídos pela oposição na câmara) tivesse durado alguns meses, se as fronteiras tivessem sido fechadas preventivamente, se houvesse controle de quarentena para quem chegava nos aeroportos! ? Se não tivesse sido disseminada   a idéia de que alguns remédios comprovadamente ineficazes poderiam evitar a morte?
E, talvez o mais lamentável dos erros, se as vacinas tivessem  sido adquiridas  em grande quantidade no começo!?
O problema é que tudo isso acontece e ninguém é responsabilizado! Estamos perdidos em um debate entre irresponsáveis que colocam a culpa no vírus, nas cepas, no acaso, nos deuses - e os denominados por estes como " donos da verdade", que reivindicam a ciência para nos guiar a uma saída da pandemia com o mínimo de sacrifícios humanos. 
Eu me coloco entre os últimos, passei quatro anos aprendendo em uma Universidade Federal, na graduação de jornalismo da UFRGS, mais dois anos em um mestrado da UFC, e outros ainda exercendo o magistério, trabalhando na formação de novos profissionais da comunicação 
No império da imbecilidade em que vivemos, o conhecimento acadêmico e  científico, a arte e a Cultura não são respeitados .
A ponto de alguns senadores governistas , na CPI da pandemia, proporem um debate entre médicos com " opiniões" diferentes sobre tratamento precoce  e uso de cloroquina contra o coronavirus. Mas o tema não pode ser abordado assim. 
Não se trata de um debate entre opiniões diversas, ou do exercício de diferentes narrativas, mas de conhecer o resultado de experimentações práticas e discussões especializadas feitas por estudiosos qualificados  na área no mundo inteiro, que guiam a comunidade científica internacional.
Sim, todos vão morrer um dia, mas quantos açaís roubados, pores de sol a contemplar deixaram de existir? Quantos doces da avó ficaram a saborear, ou músicas para dançar!? Quantos sonhos deixaram de ser realizados! ? 
A vida que se deixou de viver é inestimável, e como uma das "donas da verdade"  na área de comunicação, preciso alertar: nem sempre o que tem destaque  nas notícias, ou é mais frequentemente abordado, é o mais importante a saber.
Devido aos espetáculos midiáticos montados, é possível que o título deste artigo, inclusive, tenha criado expectativas falsas.
No entanto,ele surgiu da premissa de que o mais importante neste momento  é nos tirar da anestesia quanto aos mais de quinhentos mil mortos, revelando a dor.
Depois de nos conscientizar da dor e ir além dos números, é preciso reinvindicar a correção imediata das falhas que ainda multiplicam vítimas , e que sejam punidos os responsáveis, os aliados do vírus. A CPI  vem neste caminho, ao revirar um lodo que mostra não só a interferência de posições ideológicas, como o desvio de dinheiro destinado a compra de vacinas, uma corrupção genocida - não há outra palavra possível. 
Por vc om, há que se voltar ao silêncio, mas um silêncio consciente, de respeito pelos que partiram, e de oração. Que nos ilumine sempre a solidariedade para com quem sofre a dor da perda de familiares e amigos. Isso nor torna, de fato, humanos, no melhor sentido da palavra.
Caso contrário, estaremos, como espécie, involuindo...

* Você pode encontrar todas essas histórias de vida, e muitas outras, em inumeraveis.com.br, o memorial dedicado às vítimas do coronavirus no Brasil.

Artigo de : VALÉRIA DALLEGRAVE, jornalista, escritora e dramaturga .


Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.


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