quinta-feira, 26 de abril de 2018

A CORDA

Crônica: teoria da corda

"Eu acredito em intuição. Quem não acredita? Positivistas. Talvez o leitor não saiba, mas a palavra positivista, que no passado foi elogio, designando os seguidores do pensador francês, misto de filósofo e de sociólogo, Auguste Comte, virou categoria de acusação e desqualificação. Ninguém é positivista tranquilamente. Leva muito pau. Eu sou positivista em algumas coisas. Por exemplo, na leitura de textos cuja clareza dispensa interpretações. Sou intuitivo noutras. Racionalista ao extremo, posso subitamente acreditar em pressentimentos. A complexidade do ser humano comporta essas coisas.
Um amigo, que admiro pela imensa cultura e pela inteligência irreverente, me contou uma história que achei incrível. Eles estavam indo para uma praia muito famosa. Pararam na estrada para comer e beber alguma coisa. No local, ele viu um rolo de corda. Ficou fascinado. Examinou o produto. Perguntou o preço. Refletiu. Resolveu comprar. A ideia chocou quem estava com ele. Era simplesmente absurda.
– Para que você quer uma corda, cara?
– Não sei. Sinto que preciso dessa corda.
– Mas não tem cabimento comprar um negócio desses.
– Acho que pode ser útil.
– Para quê?
– Não sei.
– O que você vai fazer com uma corda na praia?
– Não sei.
– Você não está pensando em…
– Claro que não. Viva a vida!
Apesar dos protestos, ele comprou a corda. Seguiram viagem pela madrugada rumo ao paraíso. Pela metade do percurso, meu amigo sentiu vontade de fazer xixi. Uma vontade violenta. Aquela vontade que tortura. Era parar ou fazer nas calças. O motorista parou. Ele desceu no acostamento, no meio de nada, e aliviou-se. Quando já estava pronto, olhou para o alto, contemplou as estrelas e deu um passo para frente. Caiu num buraco. Uma queda terrível. Pânico na galera. Não se encontrava jeito de resgatá-lo. Ele estava fora do alcance das mãos dos amigos, mesmo daqueles com os braços mais longos e a determinação mais persistente. Meu amigo quebrou os dois braços ao despencar.
– Aguenta firme, cara. Vamos tirar você daí.
– A corda – gritou ele do fundo do buraco.
– Que corda?
– A corda que eu comprei.
Acharam o rolo no porta-malas. Jogaram a corda no buraco. Não sei se tinham uma lanterna. Não sei quantos eram. Não sei a profundidade do buraco. Não sei se alguém tentou entrar na cratera. Não sei se a estrada estava deserta ou se tentaram pedir ajuda. Sei como acabou. Apesar da dor que sentia, meu amigo se amarrou e foi puxado. Imagino que não tenha sido uma operação fácil. Ele conta e ri. Não dá detalhes. Pelo menos, quando me contou, não deu. Penso no pavor que deve ter sentido e na dor experimentada durante a subida. Por que estou contando esta história? Não sei.
Achei que poderia ser útil."
Pensem  nisso   enquanto  eu  vos digo  até  amanhã.

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