sábado, 18 de fevereiro de 2017

RENATO PORTALUPPI, O TREINADOR DO GRÊMIO

Um bate-papo com Renato Portaluppi

Carlos Corrêa / Interino
"Em um ambiente tão pasteurizado como anda o futebol, personagens como Renato Portaluppi mais do que nunca valem ser ouvidos, tanto por suas ideias, como pelo fato de defendê-las sem receio. Na sexta-feira, conversei com o técnico no CT do Grêmio. Abaixo, a íntegra do bate-papo com o treinador.

Como o técnico Renato lidaria com o jogador Renato?
Eu iria bater palmas todos os dias para ele. O craque não dá problema para o treinador. Ele é a solução dos problemas. Eu não quero saber da vida particular de ninguém, seja quem for. Eu trato da vida de qualquer jogador do portão para dentro. Então eu saberia que o Renato resolveria os meus problemas dentro de campo e é isso que importa. É lógico que quando um jogador é bem diferenciado, ele tem um tratamento um pouquinho diferenciado por parte do treinador também. Mas o objetivo é ver o jogador dentro de campo, então no momento que ele decide é o que importa para mim.
Você ficou menos provocador por causa da idade, do cargo ou por não ver ninguém do outro lado que compartilhe da provocação?
Por causa do cargo. Até porque a imprensa brasileira, se você fala alguma coisa, começa a dizer: “Ah, aquele treinador fala muito, faz isso, faz aquilo”. Então é melhor calar e não falar certas coisas. De repente, se eu fosse jogador, eu iria ser o jogador que eu era na época. Porque no momento que eu provocava, era para levar um bom público para o estádio. Jamais ofendi um adversário ou uma torcida. Provocava o Romário, o Túlio, o Edmundo, mas era para botar 20, 30 mil pessoas a mais no estádio.
Você acha que a imprensa esportiva gaúcha é mais chata ou exigente que no resto do país?
Você não pode generalizar, independente de qual estado seja. Sempre tem os chatinhos, entendeu? Aqui, em São Paulo, no Rio, no Nordeste, em BH. Tem que saber conviver com eles. Mas eu gosto de ouvir uma crítica quando ela é construtiva. Quando acho que é maldade, entra num ouvido e sai no outro. Em toda profissão vão ter os chatinhos. Na imprensa também tem. No futebol tem. É inevitável. O problema é que aqui no Rio Grande do Sul tem essa competição muito grande porque existem só dois grandes.
Você acha que jornalista esportivo entende de futebol?
Alguns entendem. Por exemplo, no dia do jogo, o treinador tira um jogador ou põe durante o jogo, aí o cara não quer saber porque o treinador tirou aquele jogador. Mesmo ele estando bem no jogo. Aí ele não quer saber se o jogador tem uma lesão, se não está mais aguentando. Têm várias coisas que não chegam, as conversas que você tem com o jogador ao longo da semana. Mas eles querem opinar, antes mesmo de saber realmente a história. Por que não escutam a entrevista coletiva do treinador? Aí diz: “Ah, tirou o cara que estava bem na partida” e joga o treinador contra todo mundo. Aí escuta a entrevista e o treinador explica porque tirou o jogador. “Ah, foi por isso?”. Mas ele não vai pedir desculpas, vai valer as críticas que ele fez ao treinador. Então você vai me perguntar se o jornalista entende de futebol. Alguns entendem. Alguns não entendem nada. Alguns querem discutir e dizem: “Eu estudei futebol”. O cara que estudou futebol pode ter aprendido bastante sobre futebol ou ele acha que aprendeu muito mais. Aí ele quer competir com o cara que jogou futebol, que tem a prática. Uma coisa é a teoria, outra é prática. Eu não estou dizendo que o cara que só estudou não pode saber mais do que o que jogou, mas é muito difícil. É só você ver o comentário de um ex-jogador na televisão ou na rádio e o de um jornalista que estudou futebol. O cara pode até ter a mesma opinião, mas o ex-jogador vai explicar o porque de um cruzamento, de um chute, de uma dividida. Porque ele viveu aquilo. Aí a pergunta que eu faço é a seguinte, por que nenhum de vocês então foi lá para a beira do campo ganhar 100 vezes mais? O cara que disser que se garante eu arrumo um clube para ele treinar. Por que o cara que diz que entende tanto e diz que se garante não vai para a beira do campo? O probleminha dele vai ser o seguinte: o dia-a-dia. Aí vêm inúmeras coisas. Ele vai ter que saber conviver no dia-a-dia com 30 jogadores, resolver o problema deles todos, parte tática, parte física junto com o preparador, tomar as decisões em dois ou três segundos na beira do campo. Não é só ir no jogo e fazer uma ou duas trocas. Então, sem ofensas a ninguém, eu digo, tenta ir lá para a beira do campo. Ué, não entende de futebol para caramba? Vai lá, pô.
Dentro de campo, o que mudou da época que tu jogava para hoje em dia?
Mudou que não tem mais craques como antigamente.
E a que tu atribui isso?
Aí tem que ver com as categorias de base dos clubes.
Taticamente falando, você percebe novidades no futebol hoje em dia?
Não. Você olha alguns jogos e diz: “Nossa, como esse time joga”. Mas você vê coisas diferentes porque os craques fazem coisas diferentes. “Olha que jogada”. Vai me falar que é treinamento isso aí? Não, é a qualidade do jogador. Porque esses times são praticamente seleções. Os técnicos vão trabalhar e montam seleções. Aí você vai ver um futebol diferente. Pega esses técnicos, e são p. técnicos, e dá um time médio para eles. Sem poder contratar. “É isso aqui que você tem. E agora me dá resultado”. Não tem resultado? Vai ser mandado embora. Está entendendo?
Qual a última novidade tática que tu acha que aconteceu?
Ninguém tenta inventar nada, todo mundo quer copiar. Aí os caras estão tentando hoje em dia no 4-1-4-1. É um sistema tático diferente que alguns técnicos estão usando, mas aí cabe de cada um. Eu, por exemplo, não gosto deste esquema.
Por quê?
Porque não gosto. Acho que não define muito a parte defensiva e não define a ofensiva com um esquema desses. Primeiro porque você tem que ter os jogadores certos. E outra que você não define direito para o jogador se ele tem que defender ou atacar mais. Eu não gosto desse esquema exatamente por isso, vai embaralhar muito a cabeça do jogador.
Se aprende mais na derrota ou na vitória?
Nas duas. Aprendo muito na vitória. Porque acham que o time jogou bem, fez isso, fez aquilo, mas aí muitos jornalistas não vêm nas vitórias os defeitos que eu vi
O que você aprendeu com a final da Copa do Brasil, por exemplo?
Aprender você aprende toda hora. Por exemplo, as duas exibições do Grêmio lá em Minas, contra o Cruzeiro e o Atlético-MG foram exibições de Bayern de Munique, de Barcelona, de Real Madrid. O que eu aprendi? Exatamente o que eu passo para os meus jogadores: não demos chance para o adversário, valorizamos a posse de bola, tivemos a paciência na hora certa. Foi exatamente o que nós treinamos. E não se desligar um segundo sequer. Até agora, jogando o Gauchão eu digo, não me dêem as costas para a bola um décimo de segundo. Eu conto uma historinha que eu pergunto para os meus jogadores: “Quem é pai aqui? Quem leva um filho de um ano, dois anos, para um shopping e dá as costas?”. Porque vai acontecer alguma m., não vai? No futebol é a mesma coisa. Se você der as costas para a bola, vai dar alguma m.
Você se sente mais à vontade morando no Rio de Janeiro do que aqui?
Sim.
Por quê?
Lá eu tenho mais liberdade. Nada contra aqui, só que lá o pessoal está mais acostumado com gente conhecida, de todas as áreas.
Para você, é difícil sair aqui? Você sente falta disso?
Sinto. Claro que sinto falta. A minha vida é no hotel. Mas é o preço que se paga.
É algo que você tentou fazer nas outras passagens aqui e não deu?
Eu vejo o meu dia-a-dia. Eu sei que vou chegar num lugar e… eu quero ter a minha privacidade. Se eu vou ali, eu quero bater um papo com meus amigos, quero me divertir, curtir, entendeu? Se toda hora chega alguém, pô, sabe? Se tem um evento no hotel e está lotado, eu tenho que comer no quarto, senão não vou conseguir comer. Aí tem gente na piscina, não posso ir na piscina. É difícil, os caras acham que não, mas é difícil. Eu sinto falta disso, lógico que sinto.
O que me leva à última pergunta. Toda amiga minha que eu comentei que vinha aqui te entrevistar, pediu para trazer ela junto. O assédio contigo continua o mesmo da época de jogador?
Começa que vou te dar um esporro: não trouxe por quê? Olha, o assédio continua. Na época de jogador era maior porque eu saía. Eu estava nos locais, entendeu? Hoje em dia eu me preservo bastante. Mas ainda têm ainda os tiros, as cantadas."
Pensem  nisso  enquanto  eu  vos  digo  até  amanhã.

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