sábado, 17 de dezembro de 2016

MEU PRESENTE DE NATAL


"Há mais de 30 anos que eu me preocupo com presentes de Natal. Sei das dificuldades de cada um para escolher presentes destinados a pais, tios, primos, avôs e assemelhados. Já perdi emprego ao começar uma polêmica sugerindo que era melhor dar meias e canetas do que as obras de um ícone gaúcho. Para este ano, tenho a solução. Criei até um slogan: neste Natal dê uma prisão domiciliar a um Corruptos. É preciso ler bem: a um corruptos. O plural muda tudo. Estou falando do meu livro Corruptos de estimação. Dê um Corruptos ao seu pai. É melhor guardar e vigiar o corruptos em casa do que deixá-lo à solta por aí. A promoção é do Correio do Povo. Custa apenas R$ 20. O livro vai autografado pelo autor como se fosse uma sentença. Cumpra-se.
O que dar a um primo? Ninguém sabe. O que dar a um tio? O que dar a um cunhado? O que dar a um concunhado? Eu apresento a solução. Receberei críticas por esta autopromoção. Não me importo. Perdi o pudor depois que o Brasil se mostrou despudorado. Não faço totalmente por mim, mas pelo livro. Posso apresentar a situação de outra maneira: neste Natal não deixe um livro preso na editora. Dê-lhe a oportunidade de passar as festas em família. Dentro de cem anos, pesquisadores estudarão textos como este em teses acadêmicas em universidades americanas e australianas fazendo a arqueologia das formas de libertação dos livros na passagem do real ao virtual. Os temas mais exóticos e válidos são sempre estudados na Austrália.
O leitor precisa encarar esta minha sugestão como um serviço de utilidade pública. Nem entrarei no mérito dos benefícios que poderão resultar da leitura da obra em tempos de pressa e de intolerância. No mínimo, ela fornecerá assuntos para aqueles momentos em que o silêncio fica maior que o peru. Há algum perigo? Poderá o presente transformar a festa natalina em palco de divergências inconciliáveis entre coxinhas e petralhas? Não creio. Será apenas um tempero para tornar o chester mais apetitoso. O livro é um balanço das controvérsias de 2016. Tem textos para todos os gostos. Vai muito bem com espumante, cidra, cerveja, chope ou uísque.
Dispensa embalagem.
A minha obrigação profissional é facilitar a vida das pessoas. Já quebrei a cabeça procurando presentes. Uma solução radical é desistir deles. Não é a melhor. A gente gosta de recebê-los. A oferta vem diminuindo: CDs e DVDs tornaram-se anacrônicos. Canetas são como guarda-chuvas: servem apenas para esquecimento depois do primeiro uso. Quem ainda escreve à mão? A desmaterialização da cultura afeta até os presentes de Natal. Já vi um caso para estudo na Austrália:
– E para o meu tio João, um link…
– Um link?
– Sim, um link muito bacana…
Prenda um corruptos em casa. Aposte na materialidade do crime. Quer dizer, do livro. Não se contente com um PowerPoint. Entregue o conjunto das provas. Se ganhar meias, entre com recurso. Vá ao STF. O habeas corpus está valendo. Neste Natal não assine indulto automaticamente. Dê um corruptos para quem não o deixará fugir.
*
      Marketing e filosofia podem ter um ponto em comum: a percepção do ser. Bonito, não? Tudo é tese. Berkeley dizia que ser é ser percebido. O marketing, escola do cinismo e do pragmatismo, ensina que não interessa o que somos, mas como somos vistos (percebidos). Outro dia, encontrei uma gentil senhora que resolveu me elogiar:
– Gosto muitos dos seus escritos, mas eu o imaginava totalmente diferente, alto, grande, barba branca e sem jamais mostrar os dentes.
Fiquei, como sempre, sem palavras. É o meu ponto em comum com Bob Dylan, que ganhou o Nobel pela habilidade no uso das palavras, mas ficou mudo com a notícia do prêmio. Pensei com minha imagem:
– Ela me vê como um velho rabugento.
Nada tenho contra os velhos, embora a rabugice me assuste como um vampirinho de novela das sete. Há cada vez mais jovens rabugentos. Esses são mais perigosos. Como dizia Oscar Wilde, não sou jovem o suficiente para ter certeza de tudo. No concreto, achei que seria adequado fazer uma observação de cunho hermenêutico (bonito, não?).
Cheguei a formular mentalmente a frase que me rejuvenesceria:
– A senhora não deve estar entendendo os meus textos.
A sensatez me mandou calar. Eu seria percebido como um ressentido. A minha linha de defesa tinha, contudo, certa lógica:
– Se a senhora me imaginava com um velho rabugento, não deveria gostar dos meus textos, salvo se tem preferência pelo mau humor. Neste caso, não estaria satisfeita em constatar que não sou um ogro.
A experiência já me ensinou que jamais se deve ampliar um constrangimento. Jean Baudrillard, o rei da ironia sofisticada, era percebido por leitores mal-humorados como um filósofo de cara fechada. No meu caso, o estranhamento fica mais divertido na medida em que me vejo como um humorista. Quase todo texto meu é feito para rir. Quando escrevo, dou gargalhadas. É por isso que não escrevo em público. Certa vez, escrevendo na sala de imprensa, em Cannes, fui chamado de louco por ter começado a rir de uma frase que me escapou.
Eu temo muito os elogios. Podem ser letais. Encontrei um senhor que me apavorou.
Ele parecia, pelas certezas, ser um adolescente.
– Sabe qual é o teu problema?
– Não, não sei. Tenho um problema?
– Quer saber qual é?
– Francamente? Não.
– É justamente esse."
Pensem  nisso  enquanto  eu  vos digo  até  amanhã.

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