quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

MODO COVARDE DE SER



     Quem quer ser herói? Ninguém. Salvo em algum reality show com direito a 15 segundos de fama. Uma das cenas mais chocantes de 2016 foi a da morte por espancamento do vendedor ambulante no metrô de São Paulo. Uma imagem comum do cotidiano das megalópoles? Talvez. O detalhe que bate no olho, enquanto os assassinos espancam a vítima, é a presença de pessoas que não ousam intervir. O medo impera. Ninguém ousa tomar a iniciativa. No hiperespetáculo, somos todos plateia. Contemplamos ao vivo a morte se concretizar. Figurantes na cena do crime.
Não julgo. Também me acovardo. O ambulante que morreu teve coragem para interferir. Será citado certamente como exemplo do que não se deve fazer. Se for atacado, não reaja. Se presenciar um ataque, não se meta. Se puder, corra. Se não puder, finja-se de morto. Sobreviva mesmo que para isso tenha de ignorar a dor alheia. Diz a sabedoria popular que mais vale um covarde vivo do que um herói morto. O problema disso é que, se não tento salvar o outro, quem tentará me salvar?
Na cultura do medo, a vida do outro perde o valor. O filósofo Jean Baudrillard dizia, com seu gosto pelas ironias e pelos paradoxos, que a força dos terroristas estava no fato de aceitarem morrer por uma causa, não aceitando negociar ou vender-se para obter alguma vantagem. Como enfrentar essa falta de medo da morte? Afirma-se que a violência cresce no Brasil por causa da impunidade. E se for ainda mais grave: a indiferença em relação à punição contra o medo paralisante de morrer?
Quando não temos mais qualquer condição de reagir, mesmo diante do horror mais imediato e vulgar, não nos tornamos reféns daquilo que desejamos extirpar? A indiferença diante da punição pode ter um aliado no campo oposto: a indiferença diante da desigualdade. É claro que a desigualdade não explica todos os crimes. Mas chama a atenção que em países menos desiguais haja, em geral, menos violência. E mais punição? Possivelmente. Se aumentar o grau de punição e diminuir o grau de igualdade os índices positivos ainda permanecem ? Dificilmente.
O ano de 2016 acabou com um massacre numa prisão em Manaus, com uma chacina em Campinas e com o assassinato, no Rio de Janeiro, do embaixador grego no Brasil, ao que consta pelo amante da sua mulher, mandante do crime. Por quê? Como é possível que no século XXI ainda se resolva um caso de triângulo amoroso como a eliminação de um dos elementos da geometria sexual? A ciência avança. A tecnologia progride. As relações sociais mudam. Os seres humanos continuam primitivos. A cultura do medo tem ajudado a nos transformar em covardes invisíveis. Que podemos fazer diante da explosão de barbárie cotidiana?
O amor nem sempre segue a lógica da distinção social? A mulher do embaixador, com residência na Baixada Fluminense, preferia a cama do soldado da PM? Por que não se separou do marido? Ela diz que sentia medo dele e que era agredida com frequência. Nelson Rodrigues permanece melhor sociólogo e psicólogo do que muitos especialistas no assunto. O humano convive com seu violento animal."
texto- juremir  machado  -  correio  do  povo  -rs

Pensem  nisso  enquanto eu  vos  digo  até  amanhã.

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