terça-feira, 22 de março de 2022

VIVÊNCIAS DA GARE: Revistaria, restaurante, sorveteria, as. valsas e os mensageiros - continuação

A Rede fechou. Não tenho mais aqueme relogio "cebolão" que ganhei de meu. Avô quando tinha 15 anos.
Eu mesmo de comprar meus sapatos. Meu avô morreu. E minhas unhas dos pés estão ficando grossas. Duras. Calcificadas em excesso. Certamente nenhum dos meus seis netos se oferecerá para cortar minhas unhas. Nestes tempos modernosos de hoje tenho de chamar um podólogo.
Meu avô foi um carpinteiro que nunca teve tempo de estudar. Porque precisava levar comida para casa. Um trabalhador. Que nunca ouviu falar em Sociologia. Socialismo. Marxismo. E outros tipos de devaneios e sonhos. Ele era um simples. Um honesto. Um bom - eis meu avô.
Além de minha mãe, sua única filha, meu avô criou três filhos adotivos, três irmãos: Carmen, José e Moisés, todos de sobrenome. Bezerra, órfãos de pai e mãe. Meu avô criou os três. Deu-lhes educação e formação.Os três estão casados. Moisés foi ser ferroviário como meu avô, dirigindo as locomotivas diesel. José foi gerente da Caixa Rural. Carmen casou com Renato Molina, também ferroviário, pai do Renato Molina Filho, operador de áudio da Rádio Universidade.Formado em Fisioterapia. E cantor de rock da Banda Nocet, com CD já gravado.

A NOSSA ESTAÇÃO
A gare da estação da Viação Férrea do RS foi local frequentado pela elite da sociedade santa-mariense, por mais incrível que isso possa parecer hoje aos mais moços, testemunhas da decadência da categoria ferroviária. Ali estavam os escritórios das chefias. A sala do diretor da estação ( chamado de " Agente"). O amplo e completo "stand" de revistas( a chamada " Revistaria da Estação"). O higiênico e confortável restaurante, onde serviam-se desde refeições "à francesa" até rápidos lanches. A fantástica sorveteria com inimagináveis guloseimas servidas em finas taças de prata.
O competente serviço de carregadores de bagagens( "mensageira"), com os servidores vestidos de azul, com com colarinho e gravata, portando carrinhos de ferro para o transporte das malas. O serviço de autofalantes com as publicidades ( chamadas "reclames") ditas por um locutor cego, que tinha a fantástica capacidade de memorizar tudo. Entre um " reclame" e outro, valsas de Strauss e sambas de Ary Barroso.
Para ter acesso a gare da Viação Férrea, era necessário comprar ingresso. Vendido sob a forma de um papelote duro, numerado, metade branco, metade verde.Que era picotado pelo porteiro engravatado na roleta numerada que dava acesso ao interior das instalações. Rapazes e moças acompanhadas de seus pais, costumavam formar fervilhante torvelinho de gente nas horas de chegada e partida dos trens de passageiro. Trens que atendiam por nomes especiais: " Noturno", " Fronteira", " Serra", " Porto Alegre". A gente ficava abanando para as pessoas que partiam naquela " composição" formada por dezenas e dezenas de carros.
Puxada por barulhenta e folclórica máquina a vapor, carinhosamente chamada de " Maria Fumaça".  Pouco depois substiuidas pelas máquinas movidas diesel e pelos trens hungaros", que tinham até ar condicionado e lanche gratuito.
Agora há projetos de ressuscitarem a gare. Deus queira que eu esteja vivo para presenciar este milagre.

Texto: James Pizzaro, professor aposentado, ambientalista e memorialista
Diário de Santa Maria
19 e 20 de Fevereiro de 2022

Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.

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