Vidas secas, nunca mais
Por Aquiles Lins, enviado especial a Monteiro (PB) pelo 247
O coração do semiárido nordestino presencia uma revolução. A chegada das águas do rio São Francisco aos municípios da caatinga paraibana e pernambucana foi festejada em um evento histórico no último dia 19 de março, em Monteiro, com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da presidente deposta Dilma Rousseff, acompanhados de alguns dos principais representantes da esquerda do País e de mais de 120 mil pessoas.
A transposição das águas do São Francisco, que vai democratizar o acesso a água para 12 milhões de pessoas, sendo mais de 1 milhão de pessoas só na Paraíba, deixaria orgulhosos vários autores que relataram o histórico de seca e miséria da região.
Entre eles, o escritor alagoano Graciliano Ramos talvez derramasse algumas lágrimas ao ver a água do Velho Chico correndo em Monteiro (PB) ou em Sertânia (PE), tão distante de seu leito sertão adentro.
Graciliano Ramos nasceu e por anos morou no semiárido alagoano. Escreveu, entre outros, o livro Vidas Secas, publicado em 1938. A obra conta a história de miséria e permanente migração do vaqueiro Fabiano e sua família: a esposa Sinhá Vitória, os dois filhos e o cachorro Baleia. Tinha um papagaio também, mas foi sacrificado para servir de comida.
Em dado trecho do livro, Fabiano contempla a chegada da chuva, o “inverno” para os nordestinos, mas sabe que é uma felicidade passageira. “Fabiano olhava a caatinga e previa que a seca voltaria, o verde sumiria, ele precisaria apertar o cinto, encolhendo o estômago. Isso porque sempre acontecia com ele, com o pai dele, e com o avô dele. Ele precisava resistir, ser duro. Ser homem. E quando morresse, seus filhos deveriam seguir o mesmo caminho. Era bom que aprendessem a ser duros como ele, para não morrerem fracos como Seu Tomás da bolandeira”, diz Graciliano, ao descrever seu protagonista.
Quase 80 anos depois de Vidas Secas vir a público, para muitos a felicidade da água já não será mais passageira. Além da água que cai do céu, agora tem a que vem do “rio”. Ainda é possível encontrar exemplares de Fabiano na região. Com alguns avanços tecnológicos, obrigados pelo tempo a chegar aos rincões do Nordeste, como luz elétrica e telefone celular, mas muitos continuam preservados em sua essência “dura”, forjada na seca.
Seu Sebastião Alves da Silva é um desses exemplares. Com 68 anos, é nascido e criado em Monteiro. Diz que nunca saiu da cidade, nem mesmo para a vizinha Campina Grande, que fica a 172 km dali, muito menos para a capital João Pessoa. Sebastião sobrevive de uma aposentadoria como trabalhador rural. Não sabe ler, nem escrever. Se envergonha de assinar seu nome com o polegar. “Na minha época, a escola mais próxima ficava a sete léguas [cerca de 34 km] da minha casa. Não tinha condição”, diz.
“Espero que daqui até o resto da minha vida não vai faltar mais não uma felicidade dessas”, diz seu Sebastião sobre a chegada da água
Sebastião tem a mesma pele curtida do sol do semiárido que tinha Fabiano. A diferença crucial entres os dois está na esperança. O aposentado monteirense, conta, sempre acreditou que a água um dia não fosse faltar na sua terra.
“Tinha muitas pessoas da minha idade que estavam pensando que essa água não chegava. Mas eu nunca desenganei. Porque primeiro Deus, e segundo os homens da terra”, diz Sebastião, orgulhoso, olhando para o leito do rio Paraíba, agora perenizado com as águas do São Francisco, que viajaram 208 km desde o reservatório de Itaparica (BA).
Ele conta que até o momento, a população de Monteiro estava se mantendo com o que restava de água do açude de Poções, principal reservatório da cidade. “Com as chuvas muito poucas, o reservatório estava sem água. É tanto que a Cagepa [Companhia de Água e Esgotos da Paraíba] puxava uma água pra gente que só era lama”.
Como a grande maioria dos moradores de Monteiro, ao falar da água do São Francisco, seu Sebastião engata logo em seguida um agradecimento ao ex-presidente Lula, responsável por retirar do papel a transposição das águas, que havia sido idealizada inicialmente pelo intendente da comarca do Crato (CE), Marcos Antônio de Macedo, em 1847 (saiba mais sobre o histórico da transposição).
“Para o bem que Lula tem feito, eu acreditava que essa água chegava. Porque ele não fez o bem só para mim, mas também para os nordestinos”, afirma. Questionado sobre o que espera do futuro, agora com as águas do Velho Chico em Monteiro, seu Sebastião é só esperança. “Mas rapaz, eu espero tudo de bom. Que onde tem muita água, tem tudo quanto é bom. Só não tem se não quiser. Eu já estou com esta idade, e espero que daqui até o resto da minha vida não vai faltar mais não uma felicidade dessas.”
Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.
Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.
Assista ao depoimento de seu Sebastião Alves da Silva:
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