CONCESSÃO DESMEDIDA
"Na semana passada, a Casa da Moeda divulgou uma nota alertando que, por falta de matéria-prima para confeccionar passaportes, a emissão do documento está sendo atrasada em até 45 dias. Segundo a Polícia Federal, solicitantes que não podem adiar a viagem devem pagar uma taxa de R$ 77,17 para acelerar o processo.
A situação seria diferente caso se tratasse de um passaporte diplomático. Emitidos pelo Itamaraty, sem custo para o solicitante, ele garante ao portador benefícios como atendimento especial, filas separadas, prioridade no tratamento da bagagem e dispensa de visto em alguns países.
Vários países emitem o documento para representantes do governo em missões no exterior. Porém, no Brasil, a falta de critério do Itamaraty para a concessão do documento por vezes já foi alvo de polêmica. Pelo decreto nº 5.978, que rege a lei de concessão de passaportes diplomáticos, têm direito ao documento presidentes, vices, ex-presidentes, ministros de Estado, membros do Congresso Nacional, chefes de missões diplomáticas e ministros dos tribunais superiores em missão no exterior. A validade do documento é determinada pelo Itamaraty, e o prazo varia dependendo do caráter da missão.
Porém, o Itamaraty pode conceder passaportes diplomáticos em caráter extraordinário, com base no parágrafo 3º, do Artigo 6º, do decreto, que autoriza a concessão se o motivo da viagem for “de interesse do país”. É aí que mora o problema.
Segundo um levantamento feito pelo Opinião e Notícia, desde 2011, o Itamaraty já concedeu 814 passaportes diplomáticos recorrendo ao artigo. O levantamento foi feito com base em dados publicados no Diário Oficial da União. Desde 2011, uma portaria exige que o solicitante informe ao Itamaraty a razão do pedido fundamentada por órgão competente. É dever do Itamaraty analisar o pedido e publicar as concessões no Diário Oficial.
A portaria, no entanto, não obriga o Itamaraty a publicar a missão referente à concessão do passaporte, deixando isso a critério do órgão. Raras foram as vezes em que o órgão publicou a missão. Isso abre brecha para uma concessão desmedida que gera a “diplomacia do fura fila” nos aeroportos, com tratamento especial a membros do Congresso e líderes religiosos em viagens privadas e acompanhados de cônjuges e dependentes, o que, pelo artigo 4 da portaria, só seria permitido caso a presença dos mesmos estivesse “vinculada à missão oficial do titular”.
Em 15 de janeiro deste ano, por exemplo, o Itamaraty concedeu passaportes diplomáticos ao ex-ministro do Tribunal de Contas da União Valmir Campello e à sua mulher, Marizalva Ximenes Maia Bezerra. Em 9 de maio, foi a vez do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Cesar Asfor Rocha e sua mulher, Margarida Magda Bezerra de Figueiredo. Em nenhum dos dois casos a missão referente à solicitação foi divulgada.
Além disso, os pedidos foram fundamentados pelo TCU e pelo STJ, respectivamente, ignorando o fato de Campello e Cesar Asfor já não estarem mais em atividade. O decreto nº 5.978 autoriza o documento apenas aos “ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União”, não estendendo o direito a membros aposentados destes órgãos.
Outra polêmica se refere ao uso do passaporte diplomático por deputados, que têm direito ao documento, mas só podem usá-los em caso de missão no exterior. Segundou apurou o O&N, desde 2011, já foram concedidos 1.170 passaportes diplomáticos a deputados. O número é mais que o dobro do total de 513 deputados existentes na Câmara. Isso ocorre porque grande parte dos deputados também incluem filhos e cônjuges em sua solicitação. Eduardo Cunha (PMDB), por exemplo, obteve passaportes diplomáticos para sua mulher, Claudia Cruz, e seus três filhos. A missão diplomática que levou à concessão, no entanto, não foi revelada.
Outro deputado peemedebista que obteve passaportes diplomáticos para toda a família foi João Arruda, que conseguiu o documento para a mulher, Paola Malucelli de Arruda, e os três filhos menores de idade. Figura atualmente em destaque, a deputada Tia Eron (PRB) também fez uso do benefício, incluindo seus dois filhos, Eva e Éden, como dependentes. O deputado Romário, que recentemente confirmou sua pré-candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro, também retirou passaporte diplomático, incluindo quatro filhos menores de idade como dependentes. Jair Bolsonaro também é portador do documento, e incluiu como dependente seu filho, Jair Renan Valle Bolsonaro.
A questão dos líderes religiosos
Em 2013, o Itamaraty foi duramente criticado por conceder passaportes diplomáticos ao pastor Valdemiro Santiago de Oliveira e sua mulher, Franciléia de Castro Gomes de Oliveira, líderes da Igreja Mundial do Poder de Deus. O casal teve os passaportes concedidos em três ocasiões: no dia 14/12/2011; no dia14/01/2013; e outro no dia 07/02/2014. O motivo da concessão extraordinária não foi divulgado.
A polêmica levou o MPF a instaurar um inquérito civil para apurar a concessão de passaportes diplomáticos a líderes religiosos no país. O inquérito
foi instaurado pela Procuradoria da República no Município de Santa Maria. Porém, ele foi arquivado antes mesmo de ser aberto.
foi instaurado pela Procuradoria da República no Município de Santa Maria. Porém, ele foi arquivado antes mesmo de ser aberto.
O documento de arquivamento do inquérito, obtido pelo O&N, informa que o arquivamento se deu porque a concessão do documento aos religiosos em questão está dentro da lei, pois serve aos interesses do país. A explicação dada pelo Itamaraty é que “o apoio social prestado pelas organizações religiosas mundo afora projeta a imagem do Brasil” (confira ao lado o documento na íntegra). No entanto, o órgão não especifica se a concessão está de acordo com a laicidade do Estado prevista na Constituição.
Além de Valdomiro, outros líderes religiosos receberam o benefício. O bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e sua mulher, Ester Eunice Rangel Bezerra, ganharam passaportes diplomáticos nos dias 11/11/2011 e 08/01/2014. O cardeal, Aury Affonso Hummes, conhecido como Dom Frei Cláudio Hummes, recebeu o documento em 20/04/2012. O cardeal Geraldo Majella Agnelo recebeu em 18/11/2011.
Porém, os campeões em retirada de passaportes diplomáticos são os pastores Romildo Ribeiro Soares, conhecido como RR Soares, e sua mulher, Maria Magdalena B. R. Soares. Ambos tiveram o benefício concedido em cinco ocasiões: em 18/11/2011 (amparado pelo Senado Federal, embora Romildo não exercesse cargo na Casa); em 14/12/2011; em 16/01/2013; em 24/12/2013; e em 07/02/2014, quando o Itamaraty concedeu ao casal documentos com validade de três anos.
A troca de comando no Itamaraty não mudou a prática. No mês passado, sob o comando do ministro José Serra (PSDB), o órgão mais uma vez causou polêmica ao conceder passaporte diplomático ao pastor Samuel Cássio Ferreira, da Assembleia de Deus, e sua mulher, Keila Campos Costa, em 18/05/2016. O casal já havia retirado passaportes diplomáticos em outras duas ocasiões: uma em 16/01/2013; outra em 13/11/2013.
Romildo Soares e Samuel Cássio são próximos de Eduardo Cunha. O primeiro chegou a agradecer Cunha em uma ocasião por livrá-lo de pagar uma “dívida demoníaca” (uma multa de R$ 60 milhões aplicada em 2014, pela Receita Federal, por sonegação de impostos). O segundo é suspeito na Lava Jato de lavar dinheiro para Cunha. Cássio também tem laços estreitos com o presidente interino Michel Temer (PMDB), que já o convidou para celebrar um culto ecumênico no Palácio do Planalto em 12 de maio, quando assumiu o cargo de presidente interino.
Serra se comprometeu a rever a política de concessão dos passaportes diplomáticos, mas até agora não revelou as medidas que pretende tomar. Procurado pelo O&N, o Itamaraty não respondeu até o final desta matéria por que as missões raramente são publicadas, nem qual o critério usado para decidir isso. O órgão também não informou se já há alguma previsão de mudança na política de concessão do documento, como prometeu Serra. Em tempos em que se discute a moralização da vida pública, a concessão de benefícios a parlamentares e a distinção entre o público e o privado, cabe ao órgão reavaliar a concessão do documento, especialmente aquelas feitas em caráter extraordinário."
Penso que em que governo for essa prática é condenável pois deve-se ter controle dessa emissão de documentos, regras mais rígidas e severamente cumpridas devem ser a praxe.
Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.
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