quarta-feira, 30 de maio de 2018

DESISTO, A CIVILIZAÇÃO NÃO É PARA O BRASIL

SE ATÉ MESTRE CLÓVIS ROSSI DESISTIU, SÓ ME RESTA IR PARA O RETIRO E REZAR


“Desisto, a civilização não é para o Brasil _ O governo fracassou, mas houve falência múltipla de órgãos”.
Esta é a melhor síntese que li sobre o momento dramático que vivemos, sem governo e sem nada para colocar no lugar.
O autor só poderia ser Clóvis Rossi, o mais completo, preparado e respeitado jornalista brasileiro da minha geração.
Foi meu primeiro chefe e editor no Estadão, o cara que me ensinou não só os caminhos da reportagem, mas os compromissos éticos deste ofício.
Com ele aprendi a pensar apenas nos leitores na hora de escrever. É a eles que devemos nosso ganha pão.
Se até o Clóvis Rossi de tantas glórias desistiu do Brasil, depois de rodar o mundo a trabalho, é porque, como ele escreveu no final do seu artigo no portal da Folha nesta terça-feira, “o fracasso é de um coletivo chamado Brasil”.
Até outro dia, a nossa foi uma geração vitoriosa, que sobreviveu à ditadura, lutou contra ela e voltou a viver numa democracia, agora ameaçada outra vez.
Comecei a trabalhar no jornalismo no ano da desgraça de 1964 e não posso acreditar que tanta gente hoje no Brasil queira voltar aos tempos da ditadura militar.
Ao falar dela em seu desabafo, Rossi lembrou que este “fracasso tão formidável (…) não resolveu nenhuma das falências do país, além de ter cometido crimes em série”.
Rossi foi meu padrinho de casamento, em 1972, e depois do Estadão trabalhamos juntos em várias outras redações. Hoje somos colegas outra vez na Folha.
Divergimos muitas vezes sobre os rumos tomados pelo país após a redemocratização, mas concordo totalmente com a última frase do seu artigo:
“Jamais chegaremos à civilização, pelo menos no que me resta de vida”.
Basta ver as sandices fluviais publicadas nas redes sociais nestes dias conflagrados, em que a greve dos caminhoneiros parou de vez o país, para perder qualquer esperança de que algo possa mudar a curto prazo.
A internet democratizou e tirou do anonimato a estupidez humana.
Como temos mais ou menos o mesmo tempo de vida passada, perdi como o Rossi todas as ilusões de ver a civilização se instalar por aqui tão cedo.
Assim como as pessoas, há países que, simplesmente não dão certo, mesmo quando teriam todas as condições de vencer na vida.
Nós perdemos todas as oportunidades generosamente oferecidas ao longo de muitas gerações, e não aprendemos nada.
Da mais alta elite à raia miúda da pirâmide social, a maioria pensa apenas nos seus próprios interesses imediatos, guardadas as devidas proporções, sem se preocupar com o destino comum.
Todo mundo quer levar vantagem em tudo e não temos até hoje uma identidade nacional, um projeto sequer de país, lamento admitir.
Muitas vezes achei o Rossi amargo e pessimista demais, mas hoje reconheço que ele tinha razão no seu ceticismo sobre o nosso futuro.
“Desisto”, escreveu meu mestre e amigo, e eu vou mais uma vez segui-lo.
Já que não tenho mais nada a dizer sobre o que está acontecendo, só me resta ir para o retiro anual dos Grupos de Oração do meu amigo Frei Betto, dos quais fui um dos fundadores, faz mais de 40 anos.
Este é sempre um momento muito aguardado para renovar o espírito e partilhar experiências de vida, o que nunca senti tão necessário como agora. Estamos todos, afinal, no mesmo barco furado.
Vou pedir licença a vocês para sair por alguns dias, pois só me resta rezar, já que acho inútil continuar batendo ponto aqui todo santo dia sem ter nenhuma boa novidade para contar.
Viajo na quinta e volto no domingo. Quem sabe descubra alguma luz para iluminar meus próximos passos. Se isso acontecer, prometo contar a vocês.
Bom feriadão pra todos.
Vida que segue."
Pensem nisso   enquanto  eu  vos  digo  até   amanhã.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O TEMPO

O TEMPO MOISÉS MENDES Para lembrar ou para esquecer no fim do ano: uma lista de fatos que parecem ter ocorrido anteontem. 11 de dezembro d...