2 Dedos de Prosa: A menina que tocou os brasileiros com uma carta sobre a presidenta Dilma Rousseff
A escritora e militante feminista Maria Gabriela Saldanha, de 32 anos, não imaginaria que uma mensagem que havia publicado em sua página pessoal no Facebook fosse causar tanta comoção em mulheres e homens Brasil à fora. Ao resgatar a reflexão de que a presidenta Dilma é uma cidadã como todos os outros no país, humanizando sua imagem, Maria perfurou a bolha de ódio que Grande Mídia e setores golpistas da sociedade promovem. Nosso 2 Dedos de Prosa é com essa moradora da Zona Oeste do Rio, em produção de Bruno Trezena. Ao final da entrevista você encontra a íntegra da mensagem de Maria. Boa leitura!
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Bruno Trezena: Você é autora de uma mensagem para Dilma que fez muito sucesso na internet. O que deve essa grande repercussão?
Maria Gabriela Saldanha: Acredito que há muito tempo as pessoas já estivessem indignadas com a evidente pressão misógina e desumana que tem sido feita sobre a figura da Dilma – os xingamentos nas varandas das elites, o adesivo fazendo referência à cultura do estupro em carros de São Paulo, a cobrança de renúncia pelo estereótipo de fragilidade feminina – e quisessem expressar isso. Mas com a velocidade dos acontecimentos e da produção de informações em tempos de redes sociais, por vezes aquilo que queremos dizer fica para depois. Mesmo a nossa mobilização política fica prejudicada com esse ritmo e perdemos a noção de continuidade, então acabamos cedendo à pauta do dia. No entanto, em um momento de levante feminista, cujo contexto é favorecido também pela presença da primeira mulher na Presidência da República, seria impossível não perceber ou repudiar o fato de que quando uma mulher erra, seja na vida íntima ou na condução de um país, fatalmente está sujeita a mais agressões do que um homem na mesma posição. Nossa luta é até mesmo para que uma presidenta que possa ter cometido erros em seu mandato seja criticada apenas politicamente, sem que seja humilhada pela sua condição de mulher, sem que seja atacada com expressões que igualam sexualidade feminina à ofensa, pois uma só mulher ofendida dessa forma é algo que legitima agressões contra qualquer uma de nós.
Depois as pessoas não sabem como é que o Brasil é recordista em feminicídios, estupros e violência doméstica, a semente está nas pequenas condutas de ódio diário contra a mulher. Talvez o post tenha “viralizado” porque se propôs a resgatar essa perspectiva humanizando a presidenta, colocando-a no nosso cotidiano à semelhança de qualquer outra mulher, quebrando os protocolos, além de relembrar os horrores da tortura pelo regime militar e a sua vitória contra o câncer.
Mas é claro que eu jamais poderia imaginar que teria essa repercussão. Escrevo muito sobre feminismo, principalmente sobre relações abusivas, faço rádio, estou prestes a publicar meu primeiro livro e produzindo outros, e o meu perfil já era bastante seguido por esses fatores, mas nunca houve uma publicação que tivesse circulado tanto quanto essa. Foram pouco mais de vinte mil curtidas e quase sete mil compartilhamentos no post original, mais uma infinidade de prints, como o da página da Jandira Feghali, com quase oito mil compartilhamentos, sendo que ali foi muito especial, já que a Jandira é uma mulher que também admiro muito. É muita gente que ama a Dilma, sim, na contramão de todo esse descontentamento falso que a mídia vem nos vendendo.
BT: Encontrou eco na sociedade com sua iniciativa? Alguém te hostilizou?
MGS: Junto ao post utilizei a hashtag #mulherescomdilma, que já havia sido utilizada anteriormente para pontuar o apoio das mulheres de diversos movimentos à presidenta. Em outro post, na mesma data, propus que passássemos a manifestar o nosso apoio a ela sempre com essa hashtag, de modo que ela soubesse que a sua solidão política é bem menor do que foi levada a acreditar, assim como vimos dizendo umas às outras todos os dias. A partir daí, passei a ver as mensagens hostis na sua página sendo substituídas por um grande número de mulheres manifestando apoio, bem como alguns eventos foram criados nesse sentido e companheiras feministas me marcaram em diversas publicações utilizando a hashtag. Mais de cem pessoas me escreveram inbox, demonstrando apoio e mostrando suas iniciativas. Outras mulheres, a partir de outros lugares de poder, não ficaram caladas, o que não atribuo ao meu post, evidentemente, mas a esse sentimento que está nos tomando.
No dia 24, a ONU Mulheres publicou uma nota repudiando a violência sexista contra a Dilma. Depois, a cineasta Anna Muylaert dedicou o prêmio recebido de O Globo pelo filme “Que Horas Ela Volta?” aos que considera os verdadeiros pais das “Jéssicas” desse país: Dilma e Lula. Por outro lado, sofri hostilidade, sim, embora em um número muito menor. Alguns textos repletos de discurso de ódio nos compartilhamentos e até ataques pessoais bem imaginativos, onde gente incomodada com a visibilidade implicou com a ideia de levar tratamentos alternativos à presidenta, classificando uma iniciativa do tipo como algo de mulheres privilegiadas. O que essas pessoas não sabem é que faço parte de uma rede de mulheres que estudam feminismo, matriarcado e religiosidades/linguagens ancestrais diversas, mulheres de todas as cores, classes, de bairros ricos, da favela, do subúrbio e da Baixada Fluminense. Eu mesma sou moradora de uma comunidade de um bairro pobre da Zona Oeste do Rio. Trocamos material sobre isso como uma forma de resistência, repensando questões como a saúde da mulher, por exemplo, e temos um projeto de levar assistência gratuita a vítimas de violência de gênero, também de todas as cores, classes e regiões do Rio de Janeiro, sendo o primeiro núcleo na Baixada. Portanto, o que me levou a humanizar a Dilma no início do post não foi o seu status, foi precisamente o contrário: o fato de diariamente cuidarmos de mulheres me permitiu enxergá-la como uma de nós.
BT: O que você acha que pode ocorrer no país em termos de direitos numa ruptura democrática?
MGS: Penso que a Constituição já vem sendo rasgada todos os dias pela violência a que se encontram sujeitos os trabalhadores nas cidades e no campo, os membros de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, tradicionais como um todo, bem como pela atuação da Polícia Militar nas favelas, que é a que mais mata no mundo. Somente as polícias do Estado do Rio, governado pelo PMBD há tempos, e de São Paulo, nas mãos do PSDB há vinte anos, juntas, matam mais do que todos os países com pena de morte. Vivemos, portanto, em uma incessante e árdua construção democrática, não em uma democracia consolidada, sendo só um traço disso a crise representativa, que permitiu ao único partido no governo federal que desde a década de oitenta investiu realmente em programas sociais ser criticado dessa forma, como se ele fosse o inventor de todos os problemas que enfrentamos, inclusive da corrupção enraizada no cotidiano do brasileiro que vai às ruas com camisa da seleção. Portanto, quando falamos em uma ruptura democrática, para mim, diante desses debates sobre impeachment, estamos falando não sobre um primeiro ferimento, mas sobre o sepultamento de uma noção de Estado Democrático de Direito que até então embalava as nossas esperanças.
Tudo isso passa fundamentalmente pela atuação criminosa da mídia corporativa, cujos jornais de maior circulação e televisão aberta promovem uma verdadeira corrida do ódio, da indignação seletiva e da violação de direitos. Uma vez que a linha sucessória de Dilma estaria nas mãos do partido mais poderoso e beneficiado pelas falhas do sistema político, como o financiamento privado de campanhas, que é também o partido que lidera o Congresso Nacional mais conservador desde 1964 e o que pressiona o governo internamente para a adoção de medidas impopulares, acho que seria legitimado um leilão do Estado. Isto é, o abandono imediato das políticas públicas que hoje atendem minorias e que tiraram milhões de situação de extrema pobreza na era PT, bem como multiplicaram escolas, democratizaram o acesso à universidade etc., e sua substituição pela satisfação desavergonhada aos interesses do empresariado financiador das campanhas e patrocinador de todo esse espetáculo. Tudo isso se considerarmos “ruptura democrática” na hipótese mais suave, que é a do impeachment/golpe de Estado com manutenção das instituições, porque há pessoas que estão indo às ruas pedir algo muito além: o retorno do regime militar, ignorando (ou seria desejando?) toda a sua memória de torturas e desaparecimentos.
BT: Acredita em dias melhores?
MGS: [Risos] Acredito, sim! Não tenho o direito de não acreditar. É algo atrelado ao sentimento de resistência. Ser mulher e pobre é ter conhecido muitas formas de violência e mesmo assim viver em luta. Se continuo de pé, se me permito reconhecer companheiras em mulheres como Dilma e Jandira, é minha obrigação acreditar em dias onde todo ser humano tenha dignidade e pleno acesso aos direitos fundamentais.
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ÍNTEGRA DA MENSAGEM DE MARIA SOBRE A PRESIDENTA DILMA:
“Eu queria muito dar um abraço na Dilma. Queria levar umas amigas lá, pra gente fazer alguma comida pra ela, aplicar reiki, ministrar uns óleos essenciais, cuidar dela como um matriarcado faria mesmo. Rezo por ela. Vejo sua aparência exausta nas entrevistas, mas sua fala cada vez mais firme e sem medo, parece que finalmente entendendo que estamos com ela, que não precisa negociar governabilidade ou o que quer que seja com o patriarcado. Nenhum outro político está tão abatido, até porque sabemos: homens sempre se importam menos. Mas nós, não, nós estamos com bonecos imitando bebês nos braços desde que nos entendemos por gente. A vida humana desde sempre legitima a existência da mulher. O que fazem com ela não é diferente do que fazem conosco diariamente, a todo momento tentam nos matar em muitos níveis: sexual, emocional, politicamente. Essa mulher já teve câncer, já foi torturada com choques elétricos, abusada nos porões da ditadura militar, vem sendo chamada de puta nas varandas das elites, teve adesivo simulando estupro com o seu rosto estampado nos carros e ainda está de pé. Dilma ainda está de pé. Nós estamos de pé com ela, eu queria muito poder dizer isso pessoalmente. #mulherescomdilma”
Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.
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