Um amigo fez um porta-retratos com nossa foto para colocar em sua escrivaninha.
Eu me senti mais do que amigo, mas parte de sua família. Foi o maior presente que ele me ofereceu. Foi uma distinção pessoal.
Nós, abraçados, rindo como meninos, ao alcance de sua manhã. Uma cena que será reprisada pelos seus olhos a cada amanhecer. Lembrará de mim mesmo não lembrando.
Estou no meio de seu escritório, na companhia do pote de canetas, do grampeador, do furador, da tesoura e da cola.
Alçado ao espaço escolar do seu ambiente de trabalho. Porque, apesar de crescidos, seremos eternamente estudantes, com o estojo de aula espalhado pelo mundo adulto.
O porta-retratos é soberano. De aparência minúscula, engana a grandeza. Sua composição expressa a réplica de uma fortaleza erguida entre as nossas urgências e afoitezas.
Repare que é um quadro de mão, a pequena parede levantada com cavalete na mesa, como que apontando que aquelas pessoas detrás do vidro são os eleitos de um coração.
É uma trincheira de nossas ternuras, com imagem da esposa, dos filhos, dos irmãos, dos pais, dos amigos. É o nosso santuário, nossa gruta de protegidos e protetores.
O porta-retratos sinaliza o nosso pertencimento a um lugar. Sem ele, somos turistas em nossas casas. Sem ele, podemos partir a qualquer hora. Sem ele, não temos laços e raízes, não cultivamos a nostalgia um pouco por dia.
Não custa quase nada monetariamente e, ao mesmo tempo, guarda o significado de talismã.
Tanto que nas brigas definitivas e separações, o primeiro a apanhar é o porta-retratos. Não escapa da fúria amorosa, sempre sofrendo quedas e arremessos, sempre arcando com retaliação do papel e amputações da companhia.
Quando nos odiamos, quebramos o espelho. Quando odiamos um familiar, quebramos o porta-retratos. O porta-retratos é o espelho que guardamos para o outro.
Assim como serve para a vingança, também é uma maneira lírica de jamais se separar do passado, prático para a saudade. Igual a um travesseiro, fácil de levar ao escritório ou a hotéis. Mantém o tamanho do bolso de um casaco, caracterizado pela simplicidade e despojamento, perfeito para carregar junto ao corpo.
Por mais que seja anacrônico, por mais que seja rudimentar, por mais que seja artesanal, permanece sendo a galeria mais visível de nossas afeições, com um valor maior do que uma foto de tela no celular.
O porta-retratos é o nosso livro para fotos. Encadernamos alguém em nosso amor.
FABRICIO CARPINEJAR
Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
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